sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Falta de tempo e de diálogo cria abismo entre médicos e pacientes

Fonte: http://www.crmpr.org.br/Falta+de+tempo+e+de+dialogo+cria+abismo+entre+medicos+e+pacientes+11+1163.shtml


SAÚDE-Noções equivocadas de eficiência e "ditadura dos exames" tornam atendimento superficial

A falta de tempo e de paciência por parte dos médicos e o medo que o paciente tem de questionar são apontados como os principais motivos da deterioração da relação médico-paciente. Por mais preocupado e interessado que esteja em entender o que afeta sua saúde, o paciente se encontra em uma condição de fragilidade que muitas vezes o leva a deixar o consultório cheio de dúvidas. O médico, por sua vez, tem uma rotina cada vez mais agitada. Atendendo muitas vezes em mais de um local, acaba lançando mão de exames complementares como principal base para o diagnóstico. O resultado disso se reflete em um atendimento cada vez mais superficial.

Para o secretário-geral do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Donizetti Giamberardino Filho, a tecnologia é a principal causa do distanciamento entre médico e paciente. Atualmente o médico considerado bom é aquele que pede uma imensa quantidade de exames, e não aquele que conversa com o paciente. "Parte da responsabilidade dessa situação é das operadoras de saúde, que administram essa relação muitas vezes privilegiando a eficiência financeira do médico. O profissional que gasta mais tempo nas consultas é visto como lento e não produtivo", afirma.

Donizetti chama atenção para o fato de a classe médica dar cada vez menos importância à chamada anamnese, o exame clínico do paciente. Hoje em dia, o tempo médio de uma consulta costuma ser de aproximadamente 5 minutos. Por isso, a maioria dos diagnósticos é dada a partir de exames que deveriam apenas complementar as consultas. "Acho muito difícil que um médico consiga fazer um bom atendimento, examinando o paciente, explicando o que ele tem, solicitando algum exame complementar e prescrevendo alguma medicação em menos de 15 minutos", destaca.

De acordo com o médico, a maior parte das queixas que chegam ao conselho não diz respeito a erros médicos graves, mas sim à falta de comunicação nos consultórios. "Se pegarmos toda a história da Medicina, vamos ver que durante grande parte do tempo, o papel do médico não era o de prescrever medicação, mas sim de ouvir o paciente, cuidar dele. Nessa relação a confiança é fundamental", considera.

Para a coordenadora do curso de Medicina da UFPR, Claudette Reggiani, a formação de profissionais voltados não apenas para a técnica, mas também para o lado humano é vista como prioridade na universidade. O oncologista Roberto Bettega, do Hospital Erasto Gaertner, compartilha da mesma opinião. Segundo ele, uma das principais falhas na formação do médico atualmente é no que diz respeito à capacidade de comunicação. Para ele, profissionais das áreas de infectologia e oncologia, que rotineiramente precisam dar diagnósticos de doenças graves, deveriam ter uma formação mais incisiva neste ponto. "Às vezes uma notícia ruim dada de forma inadequada pode causar um trauma no paciente e comprometer todo o tratamento", diz.

Esconder informações do paciente ou da família, no entanto, também não é o melhor caminho. Embora muitos doentes tendam a não questionar sobre o tratamento e seus efeitos colaterais, é papel do médico esclarecer todas as dúvidas. Segundo Bettega, é fundamental que sejam expostos a real condição de saúde do paciente e as alternativas de terapia: "A conversa com a família é essencial, já que muitas vezes os parentes passam alguma informação que o próprio paciente não havia comentado".

Conhecer o paciente e compreender a realidade na qual ele está inserido também tem reflexos positivos no decorrer do tratamento. "O que falta hoje em dia é mais incentivo para que o médico tenha uma visão integral do ser humano, que não trate a doença, mas sim o paciente", resume Donizetti.

ENTREVISTA-Professor especialista em bioética defende a humanização do atendimento

"As pessoas têm medo de perguntar"

O psiquiatra e psicanalista Cláudio Cohen, um dos principais especialistas em bioética do país, esteve em Curitiba no último sábado, ministrando uma palestra sobre "Bioética e Reprodução Humana". Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, está constantemente inserido em discussões a respeito da ética em pesquisas científicas.

Este ano, porém, Cohen optou por se dedicar ao estudo do dia-a-da do profissional da área médica e sua relação com os pacientes. Ele foi um dos coordenadores de uma pesquisa feita entre fevereiro e junho de 2006, em São Paulo e Recife. Para o estudo, foram entrevistados médicos e outros profissionais da área de saúde. Cohen falou à Gazeta do Povo sobre as conclusões da pesquisa.

Quais foram as principais constatações do estudo?

A principal constatação é que o paciente tem temor de falar certas coisas ao médico. Quando o médico receita algum medicamento, por exemplo, ele não pergunta sobre efeitos colaterais ou como o remédio deve ser tomado. A conseqüência é que acaba não tomando ou tomando do jeito errado.

E por que os pacientes teriam esse tipo de comportamento?

Acreditamos que isso pode ter a ver com o fato das consultas durarem cada vez menos tempo. O paciente acaba fazendo essas perguntas para o enfermeiro, e esse profissional geralmente não reporta isso ao médico.

E quais as conseqüências disso?

A relação entre o médico e o paciente fica cada vez mais prejudicada. Hoje os médicos são formados mais para coisas técnicas. Ao invés de fazer exames clínicos, eles chegam ao diagnóstico por meio de exames complementares. Estão valorizando mais a técnica do que a relação com o paciente.

E que medidas poderiam ser tomadas para tentar melhorar essa relação?

Uma coisa que já está sendo feita é incluir na faculdade disciplinas que foquem a humanização. Na USP, por exemplo, temos disciplinas com base humanística e psicologia médica. Temos ainda outra disciplina que enfoca o médico como cidadão.

Pode-se dizer que estaria se perdendo uma das características principais do médico, que seria a vocação para lidar com as pessoas?

Uma constatação curiosa e contraditória é que os médicos ressaltam a importância de retomar o conceito de médico de família, mas ao mesmo tempo querem se tornar superespecialistas. Hoje o médico especializado é mais valorizado, deveria ser o contrário.

E em relação ao tempo curto das consultas, isso teria relação com o fato de os médicos trabalharem cada vez mais?

Isso também foi apontado na pesquisa. Os médicos afirmam estar muito satisfeitos com a profissão. Mas a maioria tem três ou quatro empregos, não tem final de semana, e quando não está trabalhando está estudando, porque a medicina exige isso. A gente questiona por que ele acha que isso é tão bom.

Fonte: Gazeta do Povo (05/10/2006)

Nenhum comentário:

Postar um comentário